domingo, 13 de junho de 2010

São Miguel (I)

A primeira expedição do BALA II (abreviatura que usarei para designar o projecto no qual estou envolvido como bolseiro daqui em diante) levou-me à ilha de São Miguel, como já tinha dito num post anterior.

Como a SATA se recusou a transportar propileno para as nossas armadilhas para estudos de genética, tivemos (eu e a Carla Rego) que ir com o propileno com alguns dias de antecedência, de barco. A viagem durou 5:30 a bordo do Express Santorini. Foi a primeira vez que experimentei embarcar num barco de grandes dimensões, foi uma experiência nova assistir à desatracagem e afins. Felizmente, como era grande e o mar estava calmo, não houve muito balanço e portanto, enjôo. Aproveitei a primeira parte da viagem para saborear o vento cá fora (e não, não estou a retratar uma cena como “I’m the king of the world!”) tendo até observado um animal curioso que nunca tinha visto antes. Ora, estava eu a olhar para as águas atlânticas e eis que me deparo com um “saco de plástico” cor-de-rosa, nada de mais. Passados poucos minutos, novo “saco de plástico” cor-de-rosa, bem esta já me pareceu estranha. Qual a probabilidade de os 2 lixos que eu avistaria no meio do Atlântico serem 2 sacos de plástico da mesma cor? Bem, as minhas presunções mudaram de perspectiva ao terceiro e quarto avistamento, seriam caravelas-portuguesas? Depois de avistar dezenas delas e sem qualquer sucesso ter tentado fotografá-las com o telemóvel, faltava só a certeza oficial. Mais tarde, acabei por confirmar que se tratavam mesmo dos ditos cnidários (vulgo alforrecas), que se encontravam em grandes números também numa praia por onde passei no caminho para Povoação.

Bem, chegado a Ponta Delgada ao final do dia, era tempo de me ir instalar no São Miguel Park Hotel por uma noite, para apanhar depois na manhã seguinte um bus para Povoação e depois aí apanhar um táxi para a vila de Nordeste. Nas horas que me restavam antes de ir para a caminha liguei o GPS para ver se havia alguma cache escondida nas redondezas: yey, havia duas a 200 e tal metros cada uma. Não achei uma e achei outra, menos mal. Não havia tempo para mais, no entanto, e depois deste pequeno passeio por Ponta Delgada, voltei para o hotel.

Na manhã seguinte, e depois de um pequeno-almoço reforçado (belo buffet do hotel!), lá fomos apanhar o bus até Povoação. Tirando o facto de o motorista ter arrancado comigo ainda a meter as malas na bagageira, a viagem correu sem sobressaltos, pelas ruas estreitas e sinuosas do Sul de São Miguel. Aproveito para deixar a nota de que os açorianos aparentam ter o pé pesado e quando há situações de faixas estreitas para 2 viaturas, é a ver quem chega mais cedo ao estreitamento, muito travão se gasta aqui. Passámos pela conhecida paragem turística das Furnas, mas desta feita, nem sequer deu para sair do bus. Chegados a Povoação, apanhámos um táxi para a vila de Nordeste e a Estalagem dos Clérigos, onde ficaríamos alojados durante a semana inteira. No dia de chegada, lá fui eu procurar a cache da vila, mas sem sucesso.

O 1º dia em Nordeste foi passado a descansar, até porque o resto da equipa (o Paulo Borges e o Fernando Pereira, a.k.a. Pardal) só chegaria na segunda-feira. No domingo dia 6, também não houve um elevado gasto de calorias, mas acabou por ser interessante, visto que fomos procurar os priolos, juntamente com 2 membros da equipa da SPEA, que está lá monitorizando a população da simpática e roliça ave, uma espécie endémica da ilha de S. Miguel, não existindo em mais algum lugar do mundo, que não nas íngremes encostas da zona Nordeste da ilha, onde se encontram os últimos locais com floresta laurissilva, e à qual pertencem algumas espécies vegetais essenciais para a dieta destes curiosos passarocos. Por coincidência, acabámos por chegar ao local da cache da Serra da Tronqueira, e novamente, not found. Acabei por confirmar que esta foi mesmo levada, já que o colega da SPEA já a tinha visto por ali e desta feita não estava lá nada. Para saberem um pouco mais sobre o priolo, aqui o link para o site da SPEA.

Na segunda-feira dia 7 eis que chega o resto da equipa, numa carrinha toda pipi. Aquilo abria as portas de trás sozinha e tudo, além de outras gayzadas no seu interior.

O trabalho consistirá, de um modo geral, em efectuar batimentos de árvores e a montagem de armadilhas pitfall em transectos dentro de reservas. Cada reserva tem 2 transectos. Como estamos sempre “em cheque” no trabalho de campo, já que precisamos de bom tempo para efectuar os batimentos (em árvores secas) e estava um tempo porreiro fomos em direcção à reserva que de todas as 3 que queríamos amostras, é a mais propensa a apresentar uma grande humidade, que era o Planalto dos Graminhais. Um local notável, sem dúvida! Nunca tinha estado numa turfeira, um local dominado por plantas briófitas (entre as quais, os musgos), que cobrem toda a superfície do solo, que na verdade, não é bem solo a sério. Na verdade, o que está por debaixo do Sphagnum não é propriamente terra mas sim troncos de Juniperus, pelo que muitas vezes o solo se torna traiçoeiro e nos afundamos até ao joelho. As tonalidades do chão, com vários verdes e castanho avermelhado, em conjunto com as árvores toscas e retorcidas, devido aos fortes ventos marítimos (formações krummholz), tornam esta paisagem algo de completamente diferente de todas as que já tinha visto. Presumo que vá encontrar mais como esta, ao longo do trabalho de campo nos Açores, mas como esta foi a primeira, ficará sempre registada.

Depois de o 1º dia de trabalho de campo nos ter levado aos Graminhais, no segundo, e porque o tempo estava mais cinzento, fomos até à Serra da Tronqueira, onde já tínhamos estado aquando da visita aos priolos. Aí, debaixo de uma chuva constante, montámos os pitfall todos nos 2 transectos da reserva. A paisagem aqui é de certa forma diferente, pois dada a menor altitude, as árvores sofrem menos com os ventos e podem crescer um pouco mais. o Laurus azorica e o Ilex perado dominam aqui a paisagem e é de louvar o trabalho da equipa da SPEA que retirou a Clethra arborea (uma árvore nativa da floresta laurissilva da Madeira mas invasora nos Açores) desta encosta. Esta encosta onde andámos fica num dos flancos do Pico da Vara, o ponto mais alto de São Miguel. Desta vez não deu, mas pode ser que quando lá for levantar os pitfall possa ir até lá acima. Ah, e vimos mais alguns priolos, claro.

Na quarta-feira de manhã ficámos a triar material dos batimentos já efectuados nos Graminhais, e à tarde decidimos sair, mesmo com o tempo chato, já que sempre se acabavam de montar os pitfall nos Graminhais. De volta à turfeira, festa feita com chuva o tempo todo, tratámos de montar os ditos e voltámos a recolher e a esperar por tempos mais alegres.

Na quinta-feira o tempo estava melhorzinho, embora as nuvens não abandonassem o céu, e fomos primeiro aos Graminhais e imediatamente voltámos para trás, já que o nevoeiro e a humidade eram tantas que fazer os batimentos era impossível. Fomos tentar a Tronqueira e parece que os deuses estavam connosco porque as árvores estavam secas. Efectuámos os batimentos que faltavam ali e ao final da tarde estávamos aviados desta reserva.

Entretanto neste dia o Paulo Borges teve de regressar à Terceira e ficámos eu, o Pardal e a Carla. Depois disto estávamos à espera que o tempo nos Graminhais fosse bom e na sexta-feira depois de mais uma manhã de triagens no hotel, lá fomos para cima: sorte das grandes, estava céu limpo nos Graminhais! Toca a bater nas árvores! Depois disto, ficámos aviados de São Miguel e conseguimos antecipar o regresso para sábado, em vez de domingo.

No caminho para Ponta Delgada, ainda deu para eu parar nas Furnas para tentar loggar uma earthcache. A ver vamos se respondi a tudo correctamente. No aeroporto de Ponta Delgada, tudo normal, e lá fomos de abião para a Terceira. 20 minutos apenas mas que demoraram bastante, não só porque já gosto "bastante" de andar de avião mas porque estavam 2 broncos atrás de mim a fazer barulho o tempo todo. Grrrr...

Apesar de ter estado a recolher em locais onde existe floresta laurissilva nativa, é preciso assinalar que a ilha de São Miguel e em concreto a sua floresta, está dominada por plantas invasoras, que foram trazidas para a ilha como ornamentais, principalmente. As maiores árvores são as Cryptomeria japonica e o incenso (Pittosporum undulatum(?)), que infestam as encostas quase todas. Num estrato diferente, a "conteira" (na verdade, a verdadeira conteira, a planta cuja semente dá as contas com que se fazem os terços, é uma planta diferente), Hedychium gardnerianum, infesta tudo com os seus rizomas bolbosos. Infelizmente, é necessário calcorrear as encostas mais acidentadas do nordeste da ilha para encontrarmos a laurissilva.

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